O Transtorno do Espectro do Autista é uma síndrome, que afeta uma grande parcela da população, em principal crianças e adolescentes. O seu diagnóstico precoce e o seu tratamento devido colaboram para que a doença não se agrave e evolua. Tal transtorno afeta, principalmente, a comunicação e a interação social, além da relação de demonstração de afeto e dentre outras questões sociais.
A sociedade de pessoas com autismo, conforme os dados emitidos pela Center of Diseases Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, dita que existem mais 2 milhões de autista no Brasil. Não só isso, o estudo informa que de 1 em cada 44 crianças tem o transtorno, atingindo entre 1% e 2% da população mundial1. Diante desse panorama, o autismo foi classificado pela OMS, Organização Mundial de Saúde, somente 1993, com a sua inclusão no quadro de síndrome. Por isso, ainda é uma doença com poucos estudos sobre a sua origem e a eficácia de tratamentos, mas para muitos especialistas, o diagnóstico precoce é a principal ferramenta nos dias atuais.
Os tratamentos do autismo incluem inúmeras áreas da saúde, desde fonoaudiologia até psiquiatras/ neurologistas. A necessidade de uma gama de profissionais para efetuarem as mais diversas terapias (convencionais, não convencionais, assistenciais e dentre outras), podendo elas serem medicamentosas ou não. Portanto, a necessidade daquele que possui o diagnóstico do autismo são os mais diversos possíveis, no qual o cuidado da família é grande.
A inclusão de terapias como equinoterapia, cromoterapia, acupuntura, fonoaudiologia, fisioterapia e inúmeras outras, se fazem necessárias para a melhoria dos sintomas sociais. Não só isso, o uso do Cannabidiol é muito importante para controlar as explosões e crises de agressividade do autista, devido à dificuldade de autorregulação das emoções. A melhoria em diversos outros aspectos é vista também, como a: ingestão de alimentos; linguagem; comunicação social; comportamento repetitivo; diminuição no número de convulsões; melhoria do sono.
O tratamento medicamentoso, a base da cannabis, é muito difícil de conseguir e bastante caro, o que obrigam aos familiares a não procurar o tratamento, devido à falta de condições financeiras para efetuar o tratamento continuo. Não só isso, as terapias, inumeradas anteriormente, são bastante caras e difíceis de conseguir, devido à escassez de profissionais capacitados e clínicas especializadas. De fato, os portadores do transtorno e seus familiares sofrem para conseguir o devido tratamento.
Não só isso, quando a família possui plano saúde vivem uma batalha diária devido a negativa do tratamento pelas operadoras, sob o argumento em que não está previsto contratualmente e não há a inclusão no rol de eventos e procedimentos da ANS. De tal maneira, não há sombra de dúvidas da necessidade do devido tratamento, com uso de todas as que forem indicadas pelo médico do paciente.
O plano de saúde não pode limitar os números de sessões, das terapias de fisioterapia, psicoterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, visto que a ANS, Agência Nacional de Saúde, determinou que não pode haver tal ato2. Não só isso, o plano de saúde não pode negar, a prescrição do médico do paciente, o uso de terapias não convencionais e assistenciais, como por exemplo: Musicoterapia, equinoterapia, cromoterapia e dentre outras3; sob o pretexto que não estão incluídas no rol de procedimentos e eventos da ANS, pois tal rol não tem caráter excludente, como podemos ver a abaixo:
Muitas dessas terapias, não estão listadas no Anexo I da Resolução Normativa 428/07, da Agência Nacional de Saúde (ANS). Com base neste argumento, as empresas de plano de saúde e/ou seguro saúde negam pedidos para realização de tais terapias, visto que não há previsão obrigatória contratual na prestação de tal serviço.
O rol de procedimentos, dentro desse Anexo I, é meramente exemplificativo, ou seja, nada mais é que uma demonstração dos possíveis procedimentos amparados pelos planos de saúde, o que não implica que novos procedimentos e outros procedimentos já existentes não deva ser coberto pelo plano.
O STJ, por diversas vezes, já entendeu, a favor do consumidor, que tal rol é exemplificativo e não vincula obrigatoriamente nenhuma das partes1. Não só por isso, diversos tribunais, vem, periodicamente, decidindo em favor do consumidor, sob o argumento que o controle e a cura de uma enfermidade, não importando como ela é tratada, é a função social do contrato de prestação de serviço de saúde, desnaturalizando o seu objetivo final.4
Não só isso, o tratamento medicamentoso, à base de Cannabis, é uma outra batalha, visto que os planos de saúde e a administração pública negam o tratamento, devido ao tratamento ser bastante caro. De tal maneira, a negativa do plano de saúde é indevida e o SUS deve custear o medicamento para os mais necessitados, conforme abaixo5:
Diante deste panorama, a justiça, em toda a extensão nacional, recebeu inúmeros processos referente a concessão de medicamentos para a cura de tais doenças, por negativa do SUS e/ou de operadora de planos de saúde. Até que o Supremo Tribunal Federal, através do recurso extraordinário repetitivo 1165959/SP – SÃO PAULO, em casos do SUS, firmou a seguinte tese:
“Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS.”
Já em caso de operadoras de planos de saúde, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu, através do tema 990, que:
As operadoras de planos de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela ANVISA.
De tal forma, os planos de saúde ficaram exonerados de custear esse tipo de tratamento caso o medicamento não tenha sido registrado pela ANVISA. Já o SUS deve custear o medicamento caso seja preenchido os requisitos, que são a impossibilidade de pagar o medicamento, a necessidade exclusiva do tratamento e a inviabilidade de substituição por outro.
Diante desse entendimento conflitante, entre ambas as cortes, não houve uma pacificação do tema, em muitos casos, os pacientes, por lógica, requeriam os medicamentos pelo SUS.
Nesta rota, os tribunais, tanto o Supremo Tribunal de Justiça como os tribunais estaduais, vêm, paulatinamente, conferindo direito o tratamento, com uso de alguns medicamentos, em casos de o paciente ser usuário de plano de saúde, baseado na autorização de importação pela agência de vigilância sanitária, visto que não há outro disponível no mercado para subsidiar o tratamento do paciente. Nestes termos, temos alguns exemplos de flexibilização, como a importação de medicamento a base de Canabidiol, a disponibilização para o uso de COTELLIC e dentre outros casos.
O meu entendimento, em relação a este tema, em principal os requisitos pré-determinados pela agência reguladora de saúde, ANS, fere o direito constitucional da isonomia e da igualdade, pois diversos são os casos, em que o paciente tem negado o tratamento por meio de tais terapias. Além disso, o médico tem o direito a sua autonomia de livre escolha da diretriz de tratamento, sendo vedado o plano de saúde interferir em seu trabalho. De tal forma, o médico tem o dever de minimizar a dor e sofrimento do seu paciente, no qual, a única forma de tratamento são as diversas terapias citadas e o uso dos medicamentos, no qual o médico tem o dever de indicá-la ao seu paciente. O conselho federal de medicina, em uma das suas resoluções, determina que:
I – A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.
II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
III – Para exercer a medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.
IV – Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão.
V – Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade.
VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício, mesmo depois da morte. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativas contra sua dignidade e integridade. VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho6.
Cabe ressaltar que a liberdade do médico para prescrever quaisquer tipos de tratamentos, é uma previsão legal do exercício de medicina. O profissional licenciado e conhecedor do tratamento é aquele que tem domínio das peculiaridades do seu paciente, portanto, o médico auditor não pode deslegitimar todo um tratamento efetuado pelo médico do paciente.
A lei defesa ao consumidor protege o paciente, evidentemente, visto que afirma, através dos direitos e deveres do fornecedor, que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de forma favorável ao consumidor, segundo o art. 47 de tal lei, no qual a recusa da operadora de saúde é vista como abusiva e arbitrária, afrontando diversos artigos legais da lei consumerista.
Nos casos, em que o plano de saúde dispor expressamente no contrato de prestação de serviço, aquelas cláusulas são nulas, por enfrentar lei ordinária, como pode se ver abaixo:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
Já no Sistema Único de Saúde tem o dever de provisionar o tratamento, com base na constituição federal, conforme abaixo:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Quando o portador não possui plano/seguro de saúde, o tratamento será custeado pelo estado, conforme a decisão do Supremo Tribunal Federal, através do recurso extraordinário repetitivo 855178 RG, em casos do SUS, firmou a seguinte tese:
“O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente. “7
Diante de todo exposto, as pessoas portadoras do espectro autista e os familiares devem procurar os órgãos competentes.
Fonte: Migalhas