O Brasil encontra-se num quadro gravíssimo de sobrepeso, no qual, demonstram pesquisas, que em 2030, um total de 68% da população estará com excesso de peso. O controle do peso corporal é uma política pública preventiva, pois o excesso de peso e a obesidade causa diversas complicações, como: o diabetes, hipertensão, infarto, osteoporose e ademais.

Após o tratamento contra obesidade, através de diversas técnicas, sendo elas cirúrgicas ou não, em muitos casos, o paciente terá que passar por diversas cirurgias plásticas para retirada do excesso de pele. Tal tratamento é visto, por muitos médicos, como a progressão do tratamento contra a obesidade, porque se faz necessário a retirada da pele por questões de higiene e saúde mental.

Muito se fala, tanto pela agência reguladora de saúde ou pelo judiciário, entre a diferença da cirurgia plástica para fins estéticos e corretivos/ reparador, no qual é muito importante saber, se o paciente tem o direito de realizá-la ou não. As cirurgias corretivas e reparadoras têm o objetivo totalmente diverso das estéticas.

A cirurgia plástica, diferente do que se acredita, é um ramo da medicina no qual existem diversos procedimentos que não são estéticos. Diante disso, há inúmeros procedimentos de caráter corretivos. Como por exemplo nos casos de queimados e pós-bariátricos, porque os procedimentos plásticos são necessários para retornar à aparência e higiene do paciente, um por causa da redução drástica de peso, o outro pela redução de diversos danos na pele, que objetiva a melhoria da autoestima do paciente, sendo assim, corretiva e não estética.

A cirurgia plástica estética, nada mais é, que aquele procedimento cirúrgico, exclusivamente, de caráter embelezador, com intuito de tornar mais belo, atraente e sedutor. Já as cirurgias reparadoras e/ou corretivas têm o objetivo de reduzir danos e/ou tentar voltar ao status anterior. Nada mais é que uma extensão do tratamento originário.

Diante da impossibilidade de outra forma de tratamento para o excesso de pele do pós-bariátrico, a solução é a cirurgia reparadora/corretiva, que não está listada no Anexo I da Resolução Normativa 428/07, rol de procedimentos e eventos da Agência Nacional de Saúde (ANS). Com base neste argumento, as empresas de plano de saúde e/ou seguro saúde negam pedidos para realização de tal cirurgia, visto que o médico auditor indeferiu o procedimento.

O médico tem o dever de minimizar a dor e sofrimento do seu paciente, no qual, a única forma de tratamento para o cesso de pele é a cirurgia reparadora, ele tem o dever de indicá-la ao seu paciente. O conselho federal de medicina, em uma das suas resoluções, determina que:

I – A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.

II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

III – Para exercer a medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.

IV – Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão.

V – Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade.

VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício, mesmo depois da morte. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativas contra sua dignidade e integridade. VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.

VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho1.

Cabe ressaltar que a liberdade do médico para prescrever quaisquer tipos de tratamentos, é uma previsão legal do exercício de medicina. O profissional licenciado e conhecedor do tratamento é aquele que tem domínio das peculiaridades do seu paciente, portanto, o médico auditor não pode deslegitimar todo um tratamento efetuado pelo médico do paciente.

O rol de procedimentos, dentro desse Anexo I, é exemplificativo, até então, ou seja, nada mais é que uma demonstração dos possíveis procedimentos amparados pelos planos de saúde, o que não implica que novos procedimentos e outros procedimentos já existentes não deva ser coberto pelo plano.

Inúmeros são os tribunais que ainda mantêm o entendimento a favor do consumidor, que tal rol é exemplificativo e não vincula obrigatoriamente nenhuma das partes, mesmo após a decisão do STJ determinando certa taxatividade do rol de eventos e procedimentos da ANS2. Não só por isso, tribunais estaduais, vem, usando os raciocínios de que, em favor do consumidor, o controle e a cura de uma enfermidade, não importando como ela é tratada, é a função social do contrato de prestação de serviço de saúde, desnaturalizando o seu objetivo final3.

A lei defesa ao consumidor protege o paciente, evidentemente, visto que afirma, através dos direitos e deveres do fornecedor, que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de forma favorável ao consumidor, segundo o art. 47 de tal lei, no qual a recusa da operadora de saúde é vista como abusiva e arbitrária, afrontando diversos artigos legais da lei consumerista.

Nos casos, em que o plano de saúde dispor expressamente no contrato de prestação de serviço, aquelas cláusulas são nulas, por enfrentar lei ordinária, como pode se ver abaixo:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

Já no Sistema Único de Saúde tem o dever de provisionar o tratamento, com base na constituição federal, conforme abaixo:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Quando o portador não possui plano/seguro de saúde, o tratamento será custeado pelo estado, conforme a decisão do Supremo Tribunal Federal, através do recurso extraordinário repetitivo 855178 RG, em casos do SUS, firmou a seguinte tese:

“O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente.”4

De tal forma, o tratamento através das cirurgias corretivas é a única medida possível médica, porque não existe nenhuma outra terapia, sendo ela cirúrgica ou não, que trará o mesmo resultado. A negativa dos planos de saúde, com base que tal tratamento é estético, não tem base argumentativa, porque o paciente não tem outra escolha a não ser a cirurgia plástica, repisando, por questões de higiene, evitando assim, diversas doenças de pele.

Fonte: Migalhas